sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Quem paga a conta?

Revista Você S/A

Irene Ruberti

A batalha diária da múltipla jornada feminina tem surtido efeito: as mulheres ganharam espaço no mercado de trabalho em praticamente todos os setores -e muitas já exibem o maior salário da casa. De acordo com estudo divulgado em setembro deste ano pelo IBGE, 25,7% das mulheres têm hoje salário igual ou maior que o do marido no Brasil. Esse porcentual faz parte de um universo de 13 milhões de casais onde o homem é apontado como chefe da casa e a mulher também trabalha. O Brasil tem ainda mais 5 milhões de casais nos quais a mulher é apresentada como chefe da casa.Sem a sombra da submissão, muitas não querem mais sacar o cartão de crédito da bolsa para bancar os maridos. Outras não ligam à mínima para o dilema de quem paga a conta e ainda há as que fariam de tudo para que os maridos não se considerassem os coitadinhos que ganham menos. A sensação para muitos casais é que mudaram a ordem das coisas e esqueceram de avisar aos protagonistas. E agora, quem paga a conta?

Coordenadora administrativa de uma empresa de planos de saúde de São Paulo, Claudia Donegati, de 44 anos, tinha um salário quase igual ao do marido até receber uma promoção. O contracheque engordou, Claudia ficou satisfeita com o reconhecimento profissional, mas acabou arranjando uma dor de cabeça em casa. “Meu marido se sentiu inferiorizado com a situação, o relacionamento deu uma balançada”, conta. Depois de muita conversa e terapia, ela conseguiu reverter a situação e hoje pode contar com o parceiro até na divisão das tarefas domésticas. “Essa situação não é fácil para o homem e ele tende a se sentir inferiorizado. É preciso muita habilidade da mulher para que eles consigam viver essa discrepância sem arranhões”, afirma o psiquiatra e psicoterapeuta Luiz Cuschnir, de São Paulo.

O marido de Claudia trabalha como autônomo na área de transportes executivos. Com salário mais alto, Claudia arca com uma parte maior das despesas domésticas, principalmente porque faz questão de investir na educação dos filhos, gêmeos de 17 anos.

“Quando engravidei, ninguém achava que eu fosse continuar me dedicando à carreira”, conta. Para voltar ao trabalho no fim da licença-maternidade, precisou dispensar a empregada doméstica para poder contratar uma babá. Isso significava ter de cozinhar e limpar a casa quando voltava do emprego.

Claudia optou pela babá porque os meninos nasceram prematuros. Só quando completaram 1 ano de idade ela se sentiu segura para colocá-los em um berçário. “Aí ficavam o dia inteiro na escolinha, período integral”. Nessa época, ela e o marido dividiam as despesas de casa meio a meio.

Depois da promoção, levou quase três anos para que ele aceitasse bem o fato de ter uma parceira tão bem sucedida profissionalmente. “O mais difícil para ele era entender que eu tinha mais compromissos, reclamava que eu demorava a chegar em casa e tinha pouco tempo para ele”, lembra. Claudia buscou ajuda em sessões de terapia individual durante dois anos. “Aos poucos, com muita conversa e paciência fui conseguindo mostrar para ele o outro lado e o que estava sentindo”.

Quando a mulher ganha mais, o problema não se limita ao fator financeiro. Primeiro porque dinheiro significa poder. Quem manda é o titular do cartão e não o dependente. Outro problema é lidar com a inversão de papéis. “A partir do momento que a mulher tem uma renda maior, ela passa a delegar parte das atribuições domésticas para o marido e nem todos os homens estão prontos para isso, o que pode deixar a relação conturbada”, afirma a professora de economia e pesquisadora do Insper, Regina Madalozzo. Segundo ela, mesmo que tenha uma rede de suporte bem estruturada, com empregada, babá e motorista, a mulher nem sempre consegue gerenciar tudo sozinha. “Se cabe ao homem levar o filho ao pediatra, ir à reunião da escola ou receber um prestador de serviço em casa ele se sente exposto”, diz.

O poder financeiro dá à mulher o direito de tomar algumas decisões sozinhas, o que se torna outra fonte de conflitos do casal. “Quando as mulheres ganham mais, elas passam automaticamente a gastar mais com a casa, querem comprar coisas novas, elas têm poder de decidir sozinha e isso para o homem é complicadíssimo”, afirma a diretora de RH e Consultoria da Ricardo Xavier, Neli Barboza. “O homem teoricamente cresceu para ter poder, copiando o modelo do pai e do avô. Quando vê que na casa dele está sendo diferente se pergunta o que está fazendo de errado”, diz.



Sem neura



Durante dois anos e meio, a analista de cobrança Rosemeire Gaspar Thomé, de 45 anos, bancou sozinha as despesas da casa enquanto seu marido, que atua na área de comércio exterior, estava desempregado. Conversou com os filhos, hoje uma garota de 21 anos e um menino de 9 anos, cortaram despesas e não fizeram dívidas.

“Ele foi muito compreensivo, lidou bem com a situação e começou a ajudar com as tarefas da casa, coisa que não fazia antes”, diz. Segundo ela, a situação até fortaleceu o relacionamento dos dois, que moram em São Paulo. “Sempre houve diálogo”, conta. Aos 50 anos de idade, seu marido teve dificuldades para conseguir uma recolocação, mas conseguiu um novo emprego, há dois meses. O salário é metade do que Rosemeire ganha. “Temos uma conta corrente só para administrar os gastos e nunca teve neura”, diz.



Para a psicóloga Ilana Lissker, sócia da empresa de recrutamento de executivos Search Consultoria em Recursos Humanos, o suporte do marido é fundamental. “Se tem trabalho, casa e filhos para cuidar, sem apoio fica difícil equilibrar todos esses pratos, principalmente as executivas que têm jornada longa e viajam muito precisam de alguém em casa que ajude”, afirma. Ela diz que tem visto cada vez mais maridos que compreendem e aceitam a situação. “Eles respeitam, ajudam e têm papel fundamental para que as mulheres tenham conseguido chegar onde chegaram.”

Pode ser difícil para a mulher deixar os problemas em casa quando sai para trabalhar. “A vida é uma só, não tem como não levar um pouco para a empresa”, diz Neli. Pressionada e criticada pelo cônjuge, a mulher pode se tornar menos ambiciosa com a carreira. “É preciso tomar cuidado para que o problema não afete a busca pelo crescimento profissional, sendo uma questão de retração. Na cabeça da mulher, existirá uma perda se avançar mais na carreira”.



Ora ele, ora ela paga a conta

Sócia em uma empresa de consultoria de negócios sustentáveis em São Paulo, Melissa Pimentel, de 40 anos, já viu seu casamento de 16 anos passar por todas as fases quando o assunto é dinheiro. Seu marido, que é arquiteto, era quem ganhava mais no início do relacionamento. Quando Melissa conseguiu uma bolsa de estudos para fazer mestrado em Londres, ele largou o emprego para acompanhá-la e estudar inglês.

Um ano depois, de volta ao Brasil, a situação se inverteu. “Eu retornei em outro patamar, surgiu a oportunidade de trabalhar em uma grande empresa e ser bem remunerada”, conta. Durante sete anos, ela ganhou mais do que ele e bancava os custos fixos da casa. “Ele não é um homem machista e realmente não se importou nem se sentiu ofendido, mas lembro que nessa época tinha momentos que eu dava tudo para que a situação se invertesse”, lembra. Quando um dos dois ganha mais do que o outro, muda o ponto de equilíbrio. As conversas passam a girar em torno de dinheiro, quando na verdade esse assunto deveria ser apenas mais um nas conversas. “Ganhar mais não pode significar mais poder de barganha sobre o outro e isso nunca acontece”.

Até que Melissa decidiu abrir mão da estabilidade para ter mais tempo para cuidar do filho pequeno, agora com 5 anos. Ela foi ser sócia na empresa de consultoria e ele abriu um escritório de arquitetura e construtora. Agora, os rendimentos são variáveis, ora um ganha mais, ora outro, dependendo do projeto. “Os arranjos são possíveis de serem refeitos durante toda a vida de um casal e o ideal é ter uma situação equilibrada”, afirma. “É preciso lembrar que o dinheiro é um meio, não um fim”.




Acertando as contas

Dicas para administrar o orçamento – e evitar stress – quando ela ganha mais do que ele:

1. Para evitar ainda mais desgastes e desentendimentos, o casal deve definir uma estratégia financeira para o orçamento doméstico. “Nem homens nem mulheres estão acostumados com essa nova situação, potencial geradora de conflitos”, diz o consultor financeiro Marcos Silvestre, autor do livro “Doze Meses para Enriquecer”.

2. Em primeiro lugar, os gastos devem ser divididos em despesas do dia-a-dia e investimentos para formação de patrimônio. Para pagar as contas do cotidiano, ele recomenda a abertura de uma conta conjunta. Cada cônjuge pode continuar com suas contas-salário e individuais, mas nessa conta conjunta vão concentrar os pagamentos da família.

3. A orientação é que o casal calcule quanto é necessário para cobrir as despesas da casa e cada um faça depósitos mensais nessa conta. O valor vai depender de um acordo entre os dois. Pode ser definido que cada um fique responsável por 50% dos gastos, por exemplo. “Isso elimina problemas na raiz, o que está na conta conjunta deixa de ser meu ou seu, é nosso”, afirma.

4. Outra opção é fazer um cálculo na base da proporção de quanto cada um ganha. Se a mulher tem um rendimento 30% maior ela contribui com 30% a mais para abastecer a conta conjunta. “Essa fórmula costuma dar mais certo, é uma saída mais justa e não gera tantos questionamentos.”

5. Concentrar os pagamentos na conta conjunta evita problemas comuns quando cada um dos cônjuges assume certas despesas da casa. “Se o marido é o responsável pelo pagamento da conta de luz e o gasto começa a subir ele vai reclamar que está ficando pesado assumir a despesa”, diz.

6. Do que sobra nas contas individuais, uma parte deve ficar na reserva para despesas adicionais e o resto vai para um investimento comum. “Se é um casamento em regime de comunhão parcial ou total de bens, ou ainda uma união estável, o patrimônio é comum dos dois”, diz Silvestre.

7. O casal deve traçar uma estratégia de investimento, com vista aos seus sonhos de consumo. Um dos cônjuges pode ficar responsável pela parte burocrática das aplicações, mas é importante que o plano seja traçado em acordo pelos dois. “Os projetos devem ser distribuídos no tempo, como uma aposentadoria em 20 anos e uma casa de praia em 8 anos, estabelecendo uma mensalidade para cada sonho”, explica.