sábado, 26 de julho de 2008

A vez dos pequenos

IRENE RUBERTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Novos estilistas e criadores de artesanato não dependem mais só de bazares e boca-a-boca para vender suas peças. Duas lojas paulistanas alugam espaços a quem tem o que mostrar.
A Endossa, na rua Augusta, se define como "loja colaborativa". É dividida em caixas, cujo aluguel varia conforme o tamanho. Já na Casa 66, em Moema, há "corners" de diferentes grifes. Não é consignação: os donos da loja não dão palpites sobre o que é posto à venda. Em contrapartida, se o negócio for mal, o contrato não é renovado. O consumidor acaba decidindo quais marcas ficam e quais devem dar lugar a outras.
Esse modelo tem se mostrado bom para todos. A produção da maioria das marcas é pequena, o que garante peças mais exclusivas. Para quem gosta de novidade e originalidade essas lojas são um oásis, já que reúnem coisas que de outra forma teriam de ser garimpadas em feiras, bazares e lojas virtuais.

Espaço tem 170 marcas em exposição
A Endossa abriu há quatro meses e já causou uma fila de espera com 40 pessoas interessadas em colocar suas criações ali. Ao todo são 170 boxes instalados nas paredes e no chão. A cada um desses espaços corresponde uma meta de venda, que precisa ser cumprida. Se não for atingida, o locatário tem de sair. Os expositores podem acompanhar pela internet como vão as vendas e providenciar o que precisa ser reposto.
"Queríamos algo voltado aos míni e microempreendedores. Adotamos o conceito de aprovação do público", diz Gustavo Ferrioli, que abriu a loja com dois colegas de faculdade. Na Endossa, predominam roupas e acessórios, mas há também itens de decoração e brinquedos. Os expositores deixam cartões em seus boxes, para quem quiser entrar em contato.
"Antes eu só atingia um nicho específi co, fazia exposições na casa de amigos. Agora, um público variado está conhecendo o meu trabalho", diz a designer Patricia Nakamoto, criadora da marca Paty Boo.
Endossa, r. Augusta, 1.360, Consolação, tel. (11) 3854-9233, São Paulo
http://www.endossa.com/

Consumidor decide quem permanece
A Casa 66, em Moema, zona sul de São Paulo, reúne no momento 19 marcas de novos criadores. Começou em dezembro do ano passado, com 14 expositores. "A procura foi grande, tivemos de reprogramar o espaço para abrigar novas marcas", diz Juliana Lemos Xavier, 31, uma das sócias. Ali há muitas opções de vestuário feminino, de peças artesanais até modelos mais clássicos, além de roupas masculinas e acessórios. Há uma tabela de descontos progressivos: a segunda peça comprada garante redução de 15% no preço e a terceira, 20%. A loja cobra taxa de exposição e porcentagem sobre as vendas em troca da infra-estrutura. "O contrato é de seis meses. Se a marca for bem, renovamos. Se o público não gostar, não fica", diz Juliana. Ela conta que procurava um endereço para expor as peças de sua grife, a Dona Lola, quando encontrou a casa. Com as amigas Bruna e Juliana Drago, da grife Sagrado Feminino, teve a idéia de dividir o local com mais marcas. "A loja foi criada com o objetivo de impulsionar a carreira de novos estilistas", diz.
Casa 66, r. Normandia, 66, Moema, tel. (11) 5532-0855, São Paulo

domingo, 6 de julho de 2008

Elas morreram de parto

Revista Época

O último presente de Natal

Mariany Victória nasceu em 22 de dezembro. Sua mãe, Marisa Gomes Gonçalves, morreu dois dias depois do Natal, aos 16 anos

Irene Ruberti, de São Paulo


INOCENTE
Foi a mãe quem escolheu seu nome, Mariany Victória. Aos 5 meses de vida, o bebê não sabe que perdeu a mãe e ganhou três latas de leiteUm dia antes de sentir as primeiras contrações do parto, Marisa Gomes Gonçalves dançava dentro de sua casa, em Pirituba, na zona oeste de São Paulo. Em 22 de dezembro, teve as primeiras dores. Não queria ir ao Hospital Municipal Dr. José Hungria, o mais próximo. Segundo sua mãe, Elisabeth, faxineira, ela tinha ficado impressionada com histórias de mau atendimento. Depois de esperar uma hora em outra maternidade, a mãe a convenceu de que era melhor tentar o hospital perto de casa. “O médico brincou que o bebê seria um presente de Natal”, diz Elisabeth.

Mas o plantão trocou. E o médico foi embora. Quando Marisa reclamou das dores, o profissional que assumiu disse que ela deveria saber que passaria por isso. “Eu disse a ela que ficasse calma, que a equipe estava nervosa por ter de trabalhar no Natal”, diz Elisabeth. Quando voltou a vê-la, Marisa estava inchada e com dores: “Quase me mataram, mãe”. O bebê estava na UTI. Ambos tiveram alta no dia do Natal. Em casa, Marisa desmaiou. Voltou ao hospital. “A médica disse que era depressão pós-parto”, afirma Elisabeth. “Quando pedi que fosse examinada, falaram: ‘Quem é o médico aqui?’”, diz o pai de Marisa, Antonio.

Marisa voltou para casa mais uma vez. À noite, piorou. Retornaram ao hospital. Marisa não resistiu à terceira parada cardíaca. A causa da morte foi apontada como “tromboembolia pulmonar”. Em nota, o Hospital Municipal Dr. José Soares Hungria afirma: “O caso foi avaliado pela Comissão de Óbitos do hospital, que ouviu todos os profissionais envolvidos, e a conclusão foi de que não houve imperícia, imprudência ou negligência”.

Mariany Victória é criada com dificuldade pelos pais de Marisa. “Toda assistência que recebemos do hospital foram três latas de leite”, afirma sua avó.

Sonhos interrompidos

Débora sonhava em ter um menino: a primeira vez que viu o filho foi também a última

Irene Ruberti, de São Paulo




Débora era alegre e brincalhona
Débora Maria de Lima tinha dois sonhos na vida: casar de véu e grinalda e ser mãe de um menino. Há dois anos realizou o sonho de casar com seu companheiro de quase dez anos, pai da sua primeira filha. No ano passado, soube que daria à luz um menino. Não poderia estar mais feliz.

Kaio Mateus de Lima nasceu prematuro em 10 de junho de 2007. Naquele dia, Débora acordou passando mal, vomitando e com pressão alta. Depois da cesárea, viu seu filho pela primeira e última vez. Quatro horas depois do parto, Débora começou a apresentar uma hemorragia muito forte. Vítima da síndrome de Hellp, uma complicação da pré-eclâmpsia, estava com a pressão alta, apresentava distúrbios na coagulação e as enzimas hepáticas aumentadas. Às 21h30 teve a primeira parada cardíaca e foi levada para a UTI. Os médicos ainda tentaram estancar a hemorragia retirando seu útero, mas o quadro não se reverteu. Chegou a receber 12 bolsas de sangue. Não resistiu. Débora morreu aos 25 anos.

Ela já fazia um tratamento renal quando engravidou. Sua sogra, Matilde Soares, acredita que ela não recebeu a orientação necessária durante o pré-natal, feito pelo convênio Amesp. “O registro de uma consulta dela em maio mostra que estava com a pressão 16 por 10. Ela deveria ter sido orientada, deviam ter alertado a família”, diz Matilde.

Segundo ela, o convênio chegou a marcar uma consulta para tratar a gravidez de risco, mas tarde demais. A data prevista era 14 de junho. Débora morreu no dia 11. “A consulta foi marcada no oitavo mês de gravidez, deveriam ter feito isso antes”, diz a sogra, que agora recebeu a guarda do neto.Débora optou por ter o bebê em um hospital público, onde, segundo sua sogra, foi muito bem tratada.

A Amesp foi incorporada pela Medial no ano passado. Por meio de sua Assessoria de Imprensa, a empresa afirma que o atendimento pré-natal de Débora foi correto. “Foram realizados todos os procedimentos regulares de acompanhamento pré-natal da paciente, assistida por ginecologista-obstetra com consultas e exames periódicos, durante os quais não foram diagnosticadas quaisquer alterações graves e foi observada evolução normal da gravidez”. Segundo a nota, o problema renal não configurava gravidez de risco e ela teria sofrido uma pequena alteração da pressão arterial no terceiro mês, que depois se normalizou. Na última consulta, informa a Medial, “embora não apresentasse sintomas que caracterizassem risco, foi indicado que agendasse consulta em grupo multidisciplinar para gestação de alto risco, mas a paciente não realizou agendamento da consulta”.

A morte de Débora desestabilizou a família. Matilde pediu que seu filho, a neta mais velha e o bebê se mudassem para sua casa. “Quando a mulher morre, a casa cai. O homem não tem estrutura para enfrentar essa situação”, diz. A filha mais velha de Débora, Priscila, sente falta da mãe. “Ela chora muito, a Débora era uma mãe muito presente. Como não trabalhava fora, levava a filha na escola todo dia”, conta Matilde. Débora resolvia tudo na casa, fazia as compras, ia ao banco. Sempre alegre e brincalhona, adorava cozinhar e fazer doces.

Kaio engatinha e já ensaia os primeiros passos. Matilde se reveza entre dois empregos e os cuidados com o bebê, seu único neto homem. Conta com o apoio dos colegas de trabalho, que até organizaram um chá de bebê. “Sou uma pessoa de muita fé em Deus, se não fosse essa força, tudo tinha desabado”, diz Matilde.


Vítima do descaso

Naiara tentou uma consulta médica por três meses, na capital paulista. Sua vida terminou aos 17 anos, quando dava à luz

Irene Ruberti, de São Paulo




Naiara morreu com apenas 17 anos
Naiara Oliveira Andrade, de 17 anos, foi à escola até a véspera de dar à luz, em 7 de março. Apesar de bem disposta, estava hipertensa e diabética. A mãe, Ednadia Oliveira Andrade, conta que ela não tinha uma dieta específica nem tomava medicação porque desde os sete meses de gravidez não conseguia uma consulta na Unidade Básica de Saúde do Jardim Comercial, na zona sul de São Paulo. Segundo Ednadia, no posto disseram que a equipe estava mudando e ela deveria aguardar em casa que uma agente de saúde informasse a data da próxima consulta. “Quando via alguma agente passando na rua, chamava e perguntava. Estava preocupada porque ela estava muito inchada”, conta a avó, Terezinha Oliveira Andrade. A gestação chegou ao fim antes que Naiara conseguisse ser atendida por um médico.

Segundo a família, Naiara ficou sem consultas de janeiro a março e as três ultrassonografias que fez durante a gestação não foram na unidade de saúde, mas em uma clínica particular. A mãe também diz que era comum Naiara ser atendida por uma enfermeira, que carimbava o receituário com o nome de uma médica.

Na madrugada de 7 de março, o marido de Naiara avisou que ela estava prestes a dar à luz. Chegaram ao Hospital do Campo Limpo às 2 horas. Segundo a mãe, ela e o marido ficaram na sala de espera até 7 horas, quando foram informados de que a criança ainda não havia nascido. Uma enfermeira, segundo Ednadia, disse que era melhor irem embora e passou o número de um telefone para obter notícias.

A mãe, que trabalha como empregada doméstica, foi para o serviço. Ao ligar para o hospital, soube que sua neta havia nascido. Pediu para a irmã ir até lá levar algumas roupas para Naiara. Ao chegar ao hospital, a tia foi chamada por uma assistente social. Um médico informou que Naiara tinha tido eclâmpsia e morrido às 3h55, depois do parto normal.

“Eu saí de lá às 7 horas achando que estava tudo bem, não tinham dito nem que minha neta tinha nascido. E há uma contradição, porque no atestado de óbito consta que ela faleceu às 8 horas”, diz Ednadia. “Com certeza ela ficou jogada no corredor e quando foi atendida era tarde demais”, afirma. A avó estranha que a jovem tenha entrado sozinha, mesmo sendo menor de idade, sem a companhia da mãe ou do marido. “Eu culpo muito o hospital pelo que aconteceu. E o posto de saúde por não ter dado a assistência adequada”, diz Ednadia.

A líder comunitária Maria de Lourdes Martins, do Fórum de Saúde de Campo Limpo, afirma que o caso de Naiara foi relatado em documento enviado à Secretaria Municipal de Saúde, à Prefeitura, à Câmara Municipal e ao Ministério Público Estadual. “Não podemos continuar nessa situação, são quase 3 milhões de pessoas na região dependendo do serviço público de saúde e precisamos de uma solução”, afirma.

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo afirma que Naiara foi imediatamente atendida e encaminhada ao centro cirúrgico para realizar o parto, mas ' depois sofreu uma parada cardiorrespiratória. “O óbito só é confirmado após a realização de eletroencefalograma, o que aconteceu às 8h”, diz a nota. A secretaria afirma também que uma Comissão de Apuração Preliminar, cuja criação foi publicada no Diário Oficial em 18 de abril de 2008, está investigando a falta de atendimento durante o pré-natal, na unidade de saúde, e deverá apresentar suas conclusões antes do final de junho.

Maria Luiza é o nome do bebê. Naiara o escolheu com um mês de gestação, antes mesmo de saber o sexo da criança. É um bebê saudável, que recebeu alta três dias depois de nascer. A mãe de Naiara, as tias e a avó se revezam para cuidar da criança. Sua gravidez aconteceu depois de quase dois anos de namoro e a deixou muito feliz. O casal foi morar com a avó dela enquanto montava sua própria casa. “Eles tinham ido para a casa deles uma semana antes, ela só ficou oito dias na casa que arrumou com tanta dedicação”, diz Terezinha. “Ela adorava crianças, queria ser professora. Era uma menina de muitos sonhos.”