quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Crise financeira

Veja.com

Por Irene Ruberti
O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega está confiante que o Senado americano vai aprovar na noite desta quarta-feira o novo pacote de ajuda ao sistema financeiro do país. Para ele, a aprovação é um "instrumento poderoso" para a recuperação da economia, mas não livrará os Estados Unidos da recessão.
Ele explica que no Brasil os efeitos da turbulência econômica serão sentidos no crédito e no comércio exterior, mas não há risco de volta da inflação ou quebra de instituições. "Alguns pequenos investidores não vão ter sangue frio, vão vender suas ações, o que é um erro. O Brasil tem hoje uma economia sólida", diz o ex-ministro, sócio da Tendências Consultoria Integrada. Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida a Veja.com.
Votação do pacote
"Em primeiro lugar, é menor o número de senadores de olho na reeleição e, portanto, o componente populista é menor. Na Câmara, metade da bancada da Califórnia votou contra o pacote, reagindo à pressão de suas bases eleitorais, o que revela um alto grau de analfabetismo financeiro. Além disso, as mudanças que foram incluídas podem servir para tranqüilizar quem estava relutante em aprovar o pacote. Até pode haver uma supresa, o que houve segunda-feira foi uma surpresa, mas é alta a probabilidade de passar".
O que muda
"O pacote é um poderoso instrumento para conter a deterioração, limpa o balanço dos bancos dos ativos podres. Mas vai levar um tempo para o sistema readquirir a confiança e reduzir a aversão ao risco. Acredito que no prazo de dois a três meses o mercado vai começar a se normalizar. Mas o crédito a consumidores e investidores não vai voltar tão cedo. Os bancos estarão mais cautelosos e seletivos para conceder crédito. Para voltar à velocidade de cruzeiro pode levar de um a dois anos.
Economia americana
"A economia americana vai passar por uma recessão. O pacote vai evitar que entre em depressão, mas não evita a recessão. Esta é a mais grave crise do capitalismo dos últimos 70 a 100 anos."
Cenário da crise
"Uma conjunção de fatores contribuiu para a crise: um longo período de baixa liquidez, maior globalização do sistema, avanço de tecnologia da informação que permitiu produtos sofisticados com baixo custo e um grau de imprudência dificilmente visto antes."
Sistema financeiro
"O sistema financeiro vai ser regulado de maneira diferente daqui para a frente. Mas isso traz o risco de criar um ambiente de pressão para regulação mais intensa. O sistema financeiro pode ficar mais seguro, mas menos inovador. Pode surgir uma demanda pela regulação dos tempos antigos. Os Estados Unidos vão apoiar a regulação, mas o país tem uma visão diferente, mais flexível e preza a sofisticação. Os Estados Unidos vão ser hegemônicos por muitas décadas ainda."
Brasil
"A crise chegou ao Brasil. O canal de contágio é o do crédito e depois o do comércio exterior. Os bancos começam a ficar mais relutantes em conceder crédito, o Banco Central aumenta a taxa de juros. Mas o Brasil está mais bem preparado, fez reformas nos últimos anos e o Banco Central adquiriu condições de supervisão do sistema financeiro. O fato é que os canais de crédito estão mantidos, mas não há fluxo. O que se viu no passado era que não havia esses canais. Em um, dois, três meses a situação pode começar a se resolver. Temos um nível confortável de reservas e o principal fator foi que a política econômica foi mantida."
Inflação
"Não há risco de volta da inflação. A inflação é um tiro no pé do governante. Quando a inflação volta, a popularidade do governo cai. Esta crise vai ser sentida na taxa de crescimento, não na inflação."
Investidores
"Alguns pequenos investidores não vão ter sangue frio, vão vender suas ações, o que é um erro. O Brasil tem hoje uma economia sólida. Na verdade, o mercado de ações está precificando a crise maior do que ela é. Não há risco de quebra de instituições, por exemplo. O pacote americano que está para ser votado inclui medidas de proteção aos investidores que o Brasil já adotou antes."
Sem investimento
"Os mais pobres não vão sofrer tanto os efeitos da crise. Deve ter casos de desaceleração aqui e acolá, mas não vai existir um aumento dramático do desemprego nem queda de renda."
Recuperando as perdas
"O que se perdeu na segunda-feira pode ser recuperado. A comparação que se fez sobre o prejuízo da Bolsa de Nova York, que seria equivalente ao PIB brasileiro, não é adequada. O que se perdeu foi a riqueza que tinha sido adquirida. No caso americano vai demorar para recuperar, porque a bolsa de lá não vai retomar o nível de antes da crise. A bolsa no Brasil tem chance de subir mais."

sábado, 26 de julho de 2008

A vez dos pequenos

IRENE RUBERTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Novos estilistas e criadores de artesanato não dependem mais só de bazares e boca-a-boca para vender suas peças. Duas lojas paulistanas alugam espaços a quem tem o que mostrar.
A Endossa, na rua Augusta, se define como "loja colaborativa". É dividida em caixas, cujo aluguel varia conforme o tamanho. Já na Casa 66, em Moema, há "corners" de diferentes grifes. Não é consignação: os donos da loja não dão palpites sobre o que é posto à venda. Em contrapartida, se o negócio for mal, o contrato não é renovado. O consumidor acaba decidindo quais marcas ficam e quais devem dar lugar a outras.
Esse modelo tem se mostrado bom para todos. A produção da maioria das marcas é pequena, o que garante peças mais exclusivas. Para quem gosta de novidade e originalidade essas lojas são um oásis, já que reúnem coisas que de outra forma teriam de ser garimpadas em feiras, bazares e lojas virtuais.

Espaço tem 170 marcas em exposição
A Endossa abriu há quatro meses e já causou uma fila de espera com 40 pessoas interessadas em colocar suas criações ali. Ao todo são 170 boxes instalados nas paredes e no chão. A cada um desses espaços corresponde uma meta de venda, que precisa ser cumprida. Se não for atingida, o locatário tem de sair. Os expositores podem acompanhar pela internet como vão as vendas e providenciar o que precisa ser reposto.
"Queríamos algo voltado aos míni e microempreendedores. Adotamos o conceito de aprovação do público", diz Gustavo Ferrioli, que abriu a loja com dois colegas de faculdade. Na Endossa, predominam roupas e acessórios, mas há também itens de decoração e brinquedos. Os expositores deixam cartões em seus boxes, para quem quiser entrar em contato.
"Antes eu só atingia um nicho específi co, fazia exposições na casa de amigos. Agora, um público variado está conhecendo o meu trabalho", diz a designer Patricia Nakamoto, criadora da marca Paty Boo.
Endossa, r. Augusta, 1.360, Consolação, tel. (11) 3854-9233, São Paulo
http://www.endossa.com/

Consumidor decide quem permanece
A Casa 66, em Moema, zona sul de São Paulo, reúne no momento 19 marcas de novos criadores. Começou em dezembro do ano passado, com 14 expositores. "A procura foi grande, tivemos de reprogramar o espaço para abrigar novas marcas", diz Juliana Lemos Xavier, 31, uma das sócias. Ali há muitas opções de vestuário feminino, de peças artesanais até modelos mais clássicos, além de roupas masculinas e acessórios. Há uma tabela de descontos progressivos: a segunda peça comprada garante redução de 15% no preço e a terceira, 20%. A loja cobra taxa de exposição e porcentagem sobre as vendas em troca da infra-estrutura. "O contrato é de seis meses. Se a marca for bem, renovamos. Se o público não gostar, não fica", diz Juliana. Ela conta que procurava um endereço para expor as peças de sua grife, a Dona Lola, quando encontrou a casa. Com as amigas Bruna e Juliana Drago, da grife Sagrado Feminino, teve a idéia de dividir o local com mais marcas. "A loja foi criada com o objetivo de impulsionar a carreira de novos estilistas", diz.
Casa 66, r. Normandia, 66, Moema, tel. (11) 5532-0855, São Paulo

domingo, 6 de julho de 2008

Elas morreram de parto

Revista Época

O último presente de Natal

Mariany Victória nasceu em 22 de dezembro. Sua mãe, Marisa Gomes Gonçalves, morreu dois dias depois do Natal, aos 16 anos

Irene Ruberti, de São Paulo


INOCENTE
Foi a mãe quem escolheu seu nome, Mariany Victória. Aos 5 meses de vida, o bebê não sabe que perdeu a mãe e ganhou três latas de leiteUm dia antes de sentir as primeiras contrações do parto, Marisa Gomes Gonçalves dançava dentro de sua casa, em Pirituba, na zona oeste de São Paulo. Em 22 de dezembro, teve as primeiras dores. Não queria ir ao Hospital Municipal Dr. José Hungria, o mais próximo. Segundo sua mãe, Elisabeth, faxineira, ela tinha ficado impressionada com histórias de mau atendimento. Depois de esperar uma hora em outra maternidade, a mãe a convenceu de que era melhor tentar o hospital perto de casa. “O médico brincou que o bebê seria um presente de Natal”, diz Elisabeth.

Mas o plantão trocou. E o médico foi embora. Quando Marisa reclamou das dores, o profissional que assumiu disse que ela deveria saber que passaria por isso. “Eu disse a ela que ficasse calma, que a equipe estava nervosa por ter de trabalhar no Natal”, diz Elisabeth. Quando voltou a vê-la, Marisa estava inchada e com dores: “Quase me mataram, mãe”. O bebê estava na UTI. Ambos tiveram alta no dia do Natal. Em casa, Marisa desmaiou. Voltou ao hospital. “A médica disse que era depressão pós-parto”, afirma Elisabeth. “Quando pedi que fosse examinada, falaram: ‘Quem é o médico aqui?’”, diz o pai de Marisa, Antonio.

Marisa voltou para casa mais uma vez. À noite, piorou. Retornaram ao hospital. Marisa não resistiu à terceira parada cardíaca. A causa da morte foi apontada como “tromboembolia pulmonar”. Em nota, o Hospital Municipal Dr. José Soares Hungria afirma: “O caso foi avaliado pela Comissão de Óbitos do hospital, que ouviu todos os profissionais envolvidos, e a conclusão foi de que não houve imperícia, imprudência ou negligência”.

Mariany Victória é criada com dificuldade pelos pais de Marisa. “Toda assistência que recebemos do hospital foram três latas de leite”, afirma sua avó.

Sonhos interrompidos

Débora sonhava em ter um menino: a primeira vez que viu o filho foi também a última

Irene Ruberti, de São Paulo




Débora era alegre e brincalhona
Débora Maria de Lima tinha dois sonhos na vida: casar de véu e grinalda e ser mãe de um menino. Há dois anos realizou o sonho de casar com seu companheiro de quase dez anos, pai da sua primeira filha. No ano passado, soube que daria à luz um menino. Não poderia estar mais feliz.

Kaio Mateus de Lima nasceu prematuro em 10 de junho de 2007. Naquele dia, Débora acordou passando mal, vomitando e com pressão alta. Depois da cesárea, viu seu filho pela primeira e última vez. Quatro horas depois do parto, Débora começou a apresentar uma hemorragia muito forte. Vítima da síndrome de Hellp, uma complicação da pré-eclâmpsia, estava com a pressão alta, apresentava distúrbios na coagulação e as enzimas hepáticas aumentadas. Às 21h30 teve a primeira parada cardíaca e foi levada para a UTI. Os médicos ainda tentaram estancar a hemorragia retirando seu útero, mas o quadro não se reverteu. Chegou a receber 12 bolsas de sangue. Não resistiu. Débora morreu aos 25 anos.

Ela já fazia um tratamento renal quando engravidou. Sua sogra, Matilde Soares, acredita que ela não recebeu a orientação necessária durante o pré-natal, feito pelo convênio Amesp. “O registro de uma consulta dela em maio mostra que estava com a pressão 16 por 10. Ela deveria ter sido orientada, deviam ter alertado a família”, diz Matilde.

Segundo ela, o convênio chegou a marcar uma consulta para tratar a gravidez de risco, mas tarde demais. A data prevista era 14 de junho. Débora morreu no dia 11. “A consulta foi marcada no oitavo mês de gravidez, deveriam ter feito isso antes”, diz a sogra, que agora recebeu a guarda do neto.Débora optou por ter o bebê em um hospital público, onde, segundo sua sogra, foi muito bem tratada.

A Amesp foi incorporada pela Medial no ano passado. Por meio de sua Assessoria de Imprensa, a empresa afirma que o atendimento pré-natal de Débora foi correto. “Foram realizados todos os procedimentos regulares de acompanhamento pré-natal da paciente, assistida por ginecologista-obstetra com consultas e exames periódicos, durante os quais não foram diagnosticadas quaisquer alterações graves e foi observada evolução normal da gravidez”. Segundo a nota, o problema renal não configurava gravidez de risco e ela teria sofrido uma pequena alteração da pressão arterial no terceiro mês, que depois se normalizou. Na última consulta, informa a Medial, “embora não apresentasse sintomas que caracterizassem risco, foi indicado que agendasse consulta em grupo multidisciplinar para gestação de alto risco, mas a paciente não realizou agendamento da consulta”.

A morte de Débora desestabilizou a família. Matilde pediu que seu filho, a neta mais velha e o bebê se mudassem para sua casa. “Quando a mulher morre, a casa cai. O homem não tem estrutura para enfrentar essa situação”, diz. A filha mais velha de Débora, Priscila, sente falta da mãe. “Ela chora muito, a Débora era uma mãe muito presente. Como não trabalhava fora, levava a filha na escola todo dia”, conta Matilde. Débora resolvia tudo na casa, fazia as compras, ia ao banco. Sempre alegre e brincalhona, adorava cozinhar e fazer doces.

Kaio engatinha e já ensaia os primeiros passos. Matilde se reveza entre dois empregos e os cuidados com o bebê, seu único neto homem. Conta com o apoio dos colegas de trabalho, que até organizaram um chá de bebê. “Sou uma pessoa de muita fé em Deus, se não fosse essa força, tudo tinha desabado”, diz Matilde.


Vítima do descaso

Naiara tentou uma consulta médica por três meses, na capital paulista. Sua vida terminou aos 17 anos, quando dava à luz

Irene Ruberti, de São Paulo




Naiara morreu com apenas 17 anos
Naiara Oliveira Andrade, de 17 anos, foi à escola até a véspera de dar à luz, em 7 de março. Apesar de bem disposta, estava hipertensa e diabética. A mãe, Ednadia Oliveira Andrade, conta que ela não tinha uma dieta específica nem tomava medicação porque desde os sete meses de gravidez não conseguia uma consulta na Unidade Básica de Saúde do Jardim Comercial, na zona sul de São Paulo. Segundo Ednadia, no posto disseram que a equipe estava mudando e ela deveria aguardar em casa que uma agente de saúde informasse a data da próxima consulta. “Quando via alguma agente passando na rua, chamava e perguntava. Estava preocupada porque ela estava muito inchada”, conta a avó, Terezinha Oliveira Andrade. A gestação chegou ao fim antes que Naiara conseguisse ser atendida por um médico.

Segundo a família, Naiara ficou sem consultas de janeiro a março e as três ultrassonografias que fez durante a gestação não foram na unidade de saúde, mas em uma clínica particular. A mãe também diz que era comum Naiara ser atendida por uma enfermeira, que carimbava o receituário com o nome de uma médica.

Na madrugada de 7 de março, o marido de Naiara avisou que ela estava prestes a dar à luz. Chegaram ao Hospital do Campo Limpo às 2 horas. Segundo a mãe, ela e o marido ficaram na sala de espera até 7 horas, quando foram informados de que a criança ainda não havia nascido. Uma enfermeira, segundo Ednadia, disse que era melhor irem embora e passou o número de um telefone para obter notícias.

A mãe, que trabalha como empregada doméstica, foi para o serviço. Ao ligar para o hospital, soube que sua neta havia nascido. Pediu para a irmã ir até lá levar algumas roupas para Naiara. Ao chegar ao hospital, a tia foi chamada por uma assistente social. Um médico informou que Naiara tinha tido eclâmpsia e morrido às 3h55, depois do parto normal.

“Eu saí de lá às 7 horas achando que estava tudo bem, não tinham dito nem que minha neta tinha nascido. E há uma contradição, porque no atestado de óbito consta que ela faleceu às 8 horas”, diz Ednadia. “Com certeza ela ficou jogada no corredor e quando foi atendida era tarde demais”, afirma. A avó estranha que a jovem tenha entrado sozinha, mesmo sendo menor de idade, sem a companhia da mãe ou do marido. “Eu culpo muito o hospital pelo que aconteceu. E o posto de saúde por não ter dado a assistência adequada”, diz Ednadia.

A líder comunitária Maria de Lourdes Martins, do Fórum de Saúde de Campo Limpo, afirma que o caso de Naiara foi relatado em documento enviado à Secretaria Municipal de Saúde, à Prefeitura, à Câmara Municipal e ao Ministério Público Estadual. “Não podemos continuar nessa situação, são quase 3 milhões de pessoas na região dependendo do serviço público de saúde e precisamos de uma solução”, afirma.

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo afirma que Naiara foi imediatamente atendida e encaminhada ao centro cirúrgico para realizar o parto, mas ' depois sofreu uma parada cardiorrespiratória. “O óbito só é confirmado após a realização de eletroencefalograma, o que aconteceu às 8h”, diz a nota. A secretaria afirma também que uma Comissão de Apuração Preliminar, cuja criação foi publicada no Diário Oficial em 18 de abril de 2008, está investigando a falta de atendimento durante o pré-natal, na unidade de saúde, e deverá apresentar suas conclusões antes do final de junho.

Maria Luiza é o nome do bebê. Naiara o escolheu com um mês de gestação, antes mesmo de saber o sexo da criança. É um bebê saudável, que recebeu alta três dias depois de nascer. A mãe de Naiara, as tias e a avó se revezam para cuidar da criança. Sua gravidez aconteceu depois de quase dois anos de namoro e a deixou muito feliz. O casal foi morar com a avó dela enquanto montava sua própria casa. “Eles tinham ido para a casa deles uma semana antes, ela só ficou oito dias na casa que arrumou com tanta dedicação”, diz Terezinha. “Ela adorava crianças, queria ser professora. Era uma menina de muitos sonhos.”

terça-feira, 29 de abril de 2008

A arte de envelhecer

Irene Ruberti
Revista Época


A paisagista Adriana Giuliano Miniguini, de 58 anos, é daquelas mulheres maduras que, sem esforço, atraem olhares. Na juventude, a beleza da italiana criada no Brasil era tamanha que as pessoas paravam para observá-la. Adriana continua feliz com sua aparência. Tem rugas, mas nunca quis aplicar Botox ou se submeter a grandes tratamentos estéticos. “As rugas são o sinal de uma nova fase na minha vida. O importante é viver bem todas elas”, diz. A forma como encara o envelhecimento é tão positiva e sábia que infl uencia as três fi lhas, Bianca, Chiara (gêmeas de 24 anos) e Natália, de 34. “Queremos seguir os passos de nossa mãe. Há pessoas que fazem mil tratamentos, mas não são felizes. Nunca se sentem realmente bonitas”, diz Natália.

Além da genética, que parece favorecer as mulheres da família Giuliano Miniguini, elas se beneficiam de bons hábitos adquiridos na infância. A alimentação sempre foi saudável, com frutas, verduras, legumes e carnes magras. Todas fi zeram balé, como a mãe. As quatro freqüentam academias, para manter o corpo em forma. Cuidam da pele, com limpeza, hidratação e filtro solar, diariamente. Não têm o menor interesse em disfarçar os anos vividos, uma das maiores obsessões contemporâneas.

Artistas sofrem essa pressão contra o envelhecimento com freqüência. Recentemente, uma maquiadora perguntou ao ator Stepan Nercessian, de 54 anos, por que não fazia uma plástica para tirar as bolsas sob os olhos. “Não quero matar o velho que vou ser”, disse ele. “Quero me olhar no espelho com 70 anos e ver como realmente sou.” Essa reação é uma exceção.

Para camuflar a idade, homens e mulheres se entregam aos mais variados tratamentos estéticos sem medir esforços e conseqüências. Alguns exageram no Botox e ficam com a expressão paralisada. Submetem-se a sucessivas cirurgias plásticas e ganham um aspecto de boneco de cera. Quase sempre, o excesso de intervenções provoca mais estranhamento que admiração (Clique aqui e confira a opinião de internautas sobre o visual de celebridades).

Apesar dos avanços da medicina, a descoberta da pílula da juventude continua sendo um sonho distante
Um dos motivos que tornam a velhice um fantasma é o medo das restrições impostas pelo envelhecimento. O corpo começa a dar sinais de cansaço. A pele perde o viço. O cérebro murcha. Aos 50 anos, o encéfalo pesa em média 1,3 quilo. Quinze anos depois, costuma ter 200 gramas a menos. O sistema nervoso fica mais lento. A massa muscular diminui. A gordura aumenta. Apesar dos avanços da medicina, que têm contribuído para o aumento da expectativa de vida, a ciência está muito longe de descobrir uma pílula da juventude. Mas existe uma receita para envelhecer com mais qualidade de vida. Ela consiste em cinco simples recomendações:

comer menos
movimentar-se mais
usar e abusar do cérebro
realizar atividades em grupo
nutrir alguma forma de espiritualidade


VIVACIDADE
Jayme Kuperman, de 93 anos, no campus da PUC, em São Paulo. Ele voltou à universidade há 12 anos e não parou mais. “Fiz muitas amizades aqui. É como uma família” Isso significa que o comedimento à mesa é garantia de uma velhice longa e saudável? Ainda não há respostas definitivas, mas um estudo realizado desde 2002 pelo National Institute of Aging, nos Estados Unidos, reforça essa tese. Os pesquisadores concluíram que “comer menos” limita os danos provocados no DNA e nas proteínas de nossas células pelos temidos radicais livres. Esses elementos nocivos são produzidos pela conversão dos alimentos em energia.

Outra linha de pesquisa sugere que o envelhecimento muscular pode até ser revertido se a prática de atividade física for freqüente (Clique aqui e saiba como é o processo químico do envelhecimento). A equipe do cientista Mark Tarnopolsky, da McMaster University, no Canadá, demonstrou que a prática de musculação por idosos durante seis meses combate um dos principais processos do envelhecimento: a deterioração das mitocôndrias, responsáveis pela produção de energia nas células. Reativadas pelo esporte, as mitocôndrias saudáveis conseguem manter as células musculares funcionando bem. “Esse efeito de reversão também pode acontecer no cérebro, mas isso ainda precisa ser demonstrado”, disse Martine Duclos, chefe do serviço de medicina do esporte do Centro Hospital Universitário de Clermont-Ferrand, na França, à revista Science & Vie.

O cérebro envelhece mais rápido se não for desafiado a cada dia. Ler, trocar idéias, se divertir com um jogo ou até mesmo fazer palavras cruzadas ajuda a manter a juventude dos neurônios. Cientistas americanos do Massachusetts Institute of Technology (MIT), em Boston, acreditam que a atividade cerebral seja capaz de interferir no DNA das células neuronais. Eles utilizaram roedores com funções cognitivas comprometidas para demonstrar que a prática de novas atividades pode ativar “interruptores biológicos” capazes de melhorar a comunicação entre os neurônios. “Lembranças que pareciam perdidas voltaram”, diz o cientista Andre Fischer. “Demonstramos que é possível acordar genes adormecidos.”

Surgem também novas descobertas que podem contribuir para a manutenção do aspecto jovial da pele. A combinação de duas substâncias – lupina (extraída do tremoço) e retinil palmitato (um derivado da vitamina A) – parece ser muito eficaz na redução dos sinais de envelhecimento do rosto, segundo um estudo conduzido pela Universidade de Manchester, na Inglaterra. Detalhes da pesquisa serão divulgados em breve, segundo o jornal The Independent. Um creme que contém essa mistura, chamado Boots No 7, faz sucesso no Reino Unido. Ele parece ser tão eficaz quanto ??o ácido retinóico, usado há 30 anos para atenuar rugas e manchas escuras.

A ciência investe em várias estratégias para conter o envelhecimento, mas nenhuma oferece resultados milagrosos. Para ser vivida com qualidade, a velhice deve ser planejada. É por isso que o geriatra está deixando de ser um médico apenas de idosos. A recomendação atual é que a primeira consulta a esse especialista seja feita por volta dos 50 anos. Ele pode sugerir mudanças no estilo de vida que terão grande impacto no futuro – ligadas à prática de exercícios, à alimentação e ao estímulo à vida social.

Uma abordagem completamente diferente é proposta pela medicina antienvelhecimento (ou antiaging, termo adotado por várias clínicas brasileiras). Essa linha promete frear o relógio biológico com tratamentos estéticos, dietas radicais e a ingestão diária de hormônios, suplementos vitamínicos e antioxidantes. Os adeptos sonham manter o vigor físico da juventude e viver mais de cem anos. Para isso, submetem-se a terapias hormonais e de desintoxicação, substituem alimentos por medicamentos e não hesitam em recorrer ao bisturi. Os médicos que praticam a modalidade escrevem livros compilando benefícios de substâncias como betacaroteno, ginkgo biloba e ômega 3 e indicam uma suplementação agressiva desses elementos.

No Brasil, a medicina antiaging não é reconhecida como especialidade médica. Mas há cursos de pós-graduação oferecidos por universidades privadas. O primeiro deles, da Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul), em São Paulo, surgiu há três anos. É coordenado pelo cirurgião plástico Kose Horibe, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Antienvelhecimento. “Dizem que a antiaging não tem comprovação científica, mas tudo o que é novo demora a ter seus efeitos comprovados”, diz Horibe.

Há duas semanas, um estudo publicado pela Universidade de Copenhague, na Dinamarca, atestou que não existe comprovação de que os suplementos antioxidantes indicados pela medicina antiaging prolonguem a vida. Os pesquisadores analisaram resultados de estudos feitos com 237 mil pessoas que tomavam suplementos de selênio, betacaroteno e vitaminas A, C e E. Concluíram que, em pessoas saudáveis, a suplementação aumenta o risco de doenças coronarianas e câncer. “Medicina antiaging é só um novo nome para a velha busca do elixir da juventude”, diz o geriatra João Toniolo Neto, da Universidade Federal de São Paulo. “Há 40 anos se fazia a quelação, injeção de elementos químicos que supostamente fariam a faxina do sistema imune. Depois veio a medicina ortomolecular. Agora o nome é antiaging.”

Essa busca por tratamentos de eficácia duvidosa é o resultado da obsessão pela juventude, que tomou conta do mundo moderno. “Vivemos um culto à adolescência, já não é nem mais à juventude”, diz o filósofo Renato Janine Ribeiro, da Universidade de São Paulo. “A preocupação em fazer exercícios e cuidar da saúde é um aspecto bom. O preocupante é esse delírio adolescente”. Por que temos tanto medo do envelhecimento se ele faz parte do processo natural da vida? (Leia o que dizia o filósofo Cícero sobre o assunto.) O escritor e filósofo Rubem Alves, de 74 anos, tem uma teoria. “A velhice é feia. O espelho mostra como você está se decompondo”, diz o autor do livro Cores do Crepúsculo: a Estética do Envelhecer. Ele aponta outra razão para que tanta gente se agarre à ilusão da juventude eterna: o medo da morte.

O culto à juventude é relativamente recente. Durante a maior parte da história humana, os velhos foram vistos com reverência. No início da civilização, as pessoas morriam cedo, e quem atingia a velhice era visto com uma aura de magia. Antes da invenção da escrita, os mais velhos eram também os principais responsáveis pela transmissão da cultura. Contavam histórias e davam conselhos. Em sociedades tradicionais, ainda se percebem sinais desse respeito. Em várias partes da África do Sul, o líder negro Nelson Mandela era tratado como “O Velho”. O mesmo acontecia com o líder palestino Iasser Arafat.

Comer menos, movimentar-se sempre e desafiar o cérebro é a melhor receita para viver mais e melhor
No Ocidente, a grande virada aconteceu a partir dos anos 60. Com a maior escolarização nos países ricos, as pessoas passaram a ficar fora do mercado de trabalho dos 14 aos 22 anos. Surgia então o conceito de adolescência. Com tempo livre, logo essa fase da vida passou a ser vista como idílica. Na última década, a aversão a tudo o que lembra velhice se tornou exacerbada. O ritmo da vida moderna ajudou a tirar dos velhos sua aura de sabedoria. Com a chegada da era digital, as mudanças tecnológicas ficaram mais rápidas e a ousadia passou a ser mais valorizada que a experiência.

Mas, ao contrário do estereótipo, a velhice não é necessariamente uma fase melancólica da vida. Um estudo da Universidade de Chicago, publicado neste mês, afirma que a velhice é a fase em que as pessoas são mais felizes. A pesquisa foi feita com base em entrevistas de 28 mil pessoas, de 18 a 88 anos, entre 1972 e 2004. Concluiu que a vida fica melhor na percepção das pessoas conforme elas envelhecem. Aos 88 anos, 30% dos entrevistados se consideraram “muito felizes”. Aos 20 anos, apenas 24%. A cada década, a probabilidade de encontrar alguém muito feliz aumenta 5%.

Uma pesquisa qualitativa do psicanalista brasileiro Luiz Alberto Hanns corrobora o estudo americano. Ele observou que para algumas pessoas a velhice tem um efeito curativo. “Depois dos 70 anos muita gente percebe que não precisa mais viver sob a pressão de ser o melhor e se dá ao direito de fazer as coisas que dão prazer.” O aposentado Jayme Kuperman, de 93, é um exemplo. Entrou na Universidade Aberta à Maturidade, da PUC de São Paulo, em 1996 e não saiu mais. “É uma recompensa depois de todo o tempo que trabalhei”, diz. Nascido em Israel, chegou ao Brasil aos 13 anos. Além de atualizar seus conhecimentos, ele aumentou seu círculo de amigos.

Muitos dos idosos decidem aproveitar a velhice para se divertir, fazer amigos e até namorar. O filme Chega de Saudade, da cineasta Laís Bodanzky, atingiu o público de 100 mil espectadores no quarto fim de semana de exibição. Uma explicação para o sucesso é a abordagem alto-astral do envelhecimento. Laís fez questão de que a câmera filmasse as rugas dos atores. “Queria provocar o espectador e mostrar que existe vida além das rugas, da careca, da barriga”, diz. “E, se existe vida, existe beleza”.