quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Crise financeira

Veja.com

Por Irene Ruberti
O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega está confiante que o Senado americano vai aprovar na noite desta quarta-feira o novo pacote de ajuda ao sistema financeiro do país. Para ele, a aprovação é um "instrumento poderoso" para a recuperação da economia, mas não livrará os Estados Unidos da recessão.
Ele explica que no Brasil os efeitos da turbulência econômica serão sentidos no crédito e no comércio exterior, mas não há risco de volta da inflação ou quebra de instituições. "Alguns pequenos investidores não vão ter sangue frio, vão vender suas ações, o que é um erro. O Brasil tem hoje uma economia sólida", diz o ex-ministro, sócio da Tendências Consultoria Integrada. Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida a Veja.com.
Votação do pacote
"Em primeiro lugar, é menor o número de senadores de olho na reeleição e, portanto, o componente populista é menor. Na Câmara, metade da bancada da Califórnia votou contra o pacote, reagindo à pressão de suas bases eleitorais, o que revela um alto grau de analfabetismo financeiro. Além disso, as mudanças que foram incluídas podem servir para tranqüilizar quem estava relutante em aprovar o pacote. Até pode haver uma supresa, o que houve segunda-feira foi uma surpresa, mas é alta a probabilidade de passar".
O que muda
"O pacote é um poderoso instrumento para conter a deterioração, limpa o balanço dos bancos dos ativos podres. Mas vai levar um tempo para o sistema readquirir a confiança e reduzir a aversão ao risco. Acredito que no prazo de dois a três meses o mercado vai começar a se normalizar. Mas o crédito a consumidores e investidores não vai voltar tão cedo. Os bancos estarão mais cautelosos e seletivos para conceder crédito. Para voltar à velocidade de cruzeiro pode levar de um a dois anos.
Economia americana
"A economia americana vai passar por uma recessão. O pacote vai evitar que entre em depressão, mas não evita a recessão. Esta é a mais grave crise do capitalismo dos últimos 70 a 100 anos."
Cenário da crise
"Uma conjunção de fatores contribuiu para a crise: um longo período de baixa liquidez, maior globalização do sistema, avanço de tecnologia da informação que permitiu produtos sofisticados com baixo custo e um grau de imprudência dificilmente visto antes."
Sistema financeiro
"O sistema financeiro vai ser regulado de maneira diferente daqui para a frente. Mas isso traz o risco de criar um ambiente de pressão para regulação mais intensa. O sistema financeiro pode ficar mais seguro, mas menos inovador. Pode surgir uma demanda pela regulação dos tempos antigos. Os Estados Unidos vão apoiar a regulação, mas o país tem uma visão diferente, mais flexível e preza a sofisticação. Os Estados Unidos vão ser hegemônicos por muitas décadas ainda."
Brasil
"A crise chegou ao Brasil. O canal de contágio é o do crédito e depois o do comércio exterior. Os bancos começam a ficar mais relutantes em conceder crédito, o Banco Central aumenta a taxa de juros. Mas o Brasil está mais bem preparado, fez reformas nos últimos anos e o Banco Central adquiriu condições de supervisão do sistema financeiro. O fato é que os canais de crédito estão mantidos, mas não há fluxo. O que se viu no passado era que não havia esses canais. Em um, dois, três meses a situação pode começar a se resolver. Temos um nível confortável de reservas e o principal fator foi que a política econômica foi mantida."
Inflação
"Não há risco de volta da inflação. A inflação é um tiro no pé do governante. Quando a inflação volta, a popularidade do governo cai. Esta crise vai ser sentida na taxa de crescimento, não na inflação."
Investidores
"Alguns pequenos investidores não vão ter sangue frio, vão vender suas ações, o que é um erro. O Brasil tem hoje uma economia sólida. Na verdade, o mercado de ações está precificando a crise maior do que ela é. Não há risco de quebra de instituições, por exemplo. O pacote americano que está para ser votado inclui medidas de proteção aos investidores que o Brasil já adotou antes."
Sem investimento
"Os mais pobres não vão sofrer tanto os efeitos da crise. Deve ter casos de desaceleração aqui e acolá, mas não vai existir um aumento dramático do desemprego nem queda de renda."
Recuperando as perdas
"O que se perdeu na segunda-feira pode ser recuperado. A comparação que se fez sobre o prejuízo da Bolsa de Nova York, que seria equivalente ao PIB brasileiro, não é adequada. O que se perdeu foi a riqueza que tinha sido adquirida. No caso americano vai demorar para recuperar, porque a bolsa de lá não vai retomar o nível de antes da crise. A bolsa no Brasil tem chance de subir mais."