quinta-feira, 1 de janeiro de 2004

Há algo de especial na São Silvestre

O Estado de S. Paulo

São Pedro e São Silvestre atenderam às preces e uma providencial frente fria chegou a São Paulo baixando a temperatura bem na largada da prova feminina da 79.ª Corrida de São Silvestre. Se percorrer os 15 quilômetros de subidas e descidas do percurso já não é fácil, ainda mais com os termômetros marcando mais de 30 graus. A 15 minutos da largada uma multidão colorida se agita à espera do início da corrida.

Disfarçar a ansiedade e a emoção não é fácil. Há algo de especial na São Silvestre. Talvez seja o clima de pré-réveillon, talvez a presença do público que está ali para ver os corredores passarem, torcer, incentivar. Em pouco mais de seis meses de treino participei de algumas corridas, mas nada que se compare à experiência de fazer parte de uma São Silvestre.

Às 15h15 começa a prova e manter o ritmo é fundamental. O percurso é longo e é preciso poupar energia. Mesmo assim passo o primeiro quilômetro 1 minuto e dez segundos abaixo do que o meu técnico, Wanderlei de Oliveira, tinha previsto para a minha corrida. É preciso desacelerar. No segundo quilômetro encontro uma das minhas companheiras de treino: Mitico Nakatani, de 71 anos. Aproveito para acompanhá-la, amparada na sua experiência de vencer oito São Silvestres na sua categoria. E aproveito também carona na sua torcida. Quando entramos na Ipiranga o público vibra ao ver aquela senhora de um pouco mais de 1,40 metro de altura, de óculos, superconcentrada. “Vamos lá, tiazinha”, “Que linda. Força, vovó”, grita o público. Passo o quarto quilômetro dois minutos mais rápido que o meu tempo previa. Decido deixar a dona Mitico ir e vou atrás do meu ritmo. A chuva é um refresco. E veio na medida certa: um temporal encharcaria os tênis e dificultaria a prova.

A São Silvestre também é um forma de se conhecer a cidade – sem carros, sem barulho. Percorrendo as ruas, principalmente do centro, dá para apreciar a arquitetura de prédios antigos, descobrir lojas, ruas, praças. Atravessar o Elevado Costa e Silva correndo também é uma experiência nova. Os moradores dos apartamentos assistem aos corredores passando na frente de suas janelas.

É como se as corredoras estivessem atravessando o quintal da casa deles. Por onde passa, o grupo de corredoras contagia a multidão, que pede mais fôlego e mais coragem. No meio do público uma mulher grita: “Onde estão as mulheres mais bonitas da São Silvestre?” A mulherada na corrida se anima e grita em coro: “Aqui.” E as mulheres dão exemplo de cidadania: enquanto os homens se acotovelam, elas pedem até licença para passar e se desculpam por esbarrões.

A Brigadeiro Luís Antônio leva a fama de vilã, mas outros trechos de subida testam as competidoras. Chega o Viaduto do Chá, o Largo São Francisco. E finalmente a Brigadeiro, a temida, o trecho mais difícil, mas também sinal de que a chegada se aproxima. São só mais três quilômetros. Por mais difícil que seja é preciso manter o ritmo – não andar na subida é questão de honra. Me concentro, lembro dos meus treinos, que nos últimos meses chegaram a cerca de 50 quilômetros por semana com a equipe Run For Life, e mais sessões de musculação e natação. E vem a Paulista. São só mais 400 metros até a chegada. Parece incrível que a prova já está acabando. Fecho com 1h30. E eu que achava que não faria em menos de 1h45. Foi a minha primeira São Silvestre. Mas com certeza não foi a última.